Movimento relativístico sob a ação de uma força constante

\(\newcommand{td}[2]{\frac{\text{d}#1}{\text{d}#2}}\)

Resumo

Neste apontamento estuda-se o movimento sob a ação de uma força constante tomando em conta os efeitos relativísticos. Este problema é bastante mais complexo do que num tratamento não relativístico, obrigando quase sempre à resolução numérica das equações do movimento. Constata-se que não é em geral possível, numa formulação relativística, decompor o movimento nas suas componentes paralela e perpendicular à direção da força, e que o movimento no plano perpendicular à força não é uniforme.

Introdução

Consideremos uma corpo pontual com massa $m$ que se move sujeito a uma força $\vec F$, constante e uniforme. Escolhe-se um sistema de coordenadas com o eixo dos $y$ dirigido com a direção da força mas em sentido oposto e o eixo dos $x$ no plano definido pela força e pela velocidade inicial da partícula. As leis de Newton para o movimento deste corpo escrevem-se como é habitual, \begin{equation} \vec F=\td{\vec p}{t}, \end{equation} mas o momento linear da partícula deve entender-se aqui como o momento relativístico, \begin{equation} \vec p=m\gamma \vec v, \end{equation} onde \begin{equation}\label{eq:gamma} \gamma = \left(1-\frac{v^2}{c^2}\right)^{-1/2}, \end{equation} $v^2=v_x^2+v_y^2+v_z^2$ é o quadrado do módulo da velocidade da partícula e $c$ é o valor da velocidade da luz no vácuo.
Note-se que num movimento não uniforme como é o desta partícula, o fator $\gamma$ depende do tempo e, portanto, tem que se considerar essa variação no cálculo da derivada temporal do momento linear. Ou seja, devemos escrever \begin{equation} \td{\vec p}{t}=\td{}{t}(m\gamma\vec v)= m\dot\gamma \vec v+m\gamma\dot{\vec v}. \end{equation} Dada a expressão de $\gamma$, a sua derivada temporal é dada por \begin{equation} \dot\gamma=\frac{\gamma^3}{c^2}(\vec v\cdot\dot{\vec v})= \frac{\gamma^3}{c^2}\sum v_i\dot v_i \end{equation}
Uma vez que $\vec F$ só tem componentes segundo $y$, $p_x$ e $p_z$ são constantes. Além disso, escolhemos a orientação dos eixos de modo a que $p_z=0$. Assim, o movimento da partícula fica limitado ao plano $xy$ e podemos por isso descartar a componente $z$ nesta discussão.

Equações do movimento

Com a escolha de coordenadas feita, as duas equações do movimento são \begin{align} \td{p_x}{t}&=0\\ \td{p_y}{t}&=-F. \end{align} A primeira destas equações tem a solução óbvia \begin{equation}\label{eq:eqx} p_x=m\gamma v_x= P_1, \end{equation} onde $P_1$ é uma constante de integração. A segunda equação é \begin{align} \td{p_y}{t}&=m\dot\gamma v_y+m\gamma\dot v_y\nonumber\\ &=m\frac{\gamma^3}{c^2}v_xv_y\dot v_x+m \gamma\left(\frac{\gamma^2}{c^2}+1\right)\dot v_y = -F\label{eq:eqyi} \end{align} Como é patente nesta equação, não é possível separar as componentes do movimento paralela e perpendicular à força. Mas pode eliminar-se $\dot v_x$ usando a eq. \eqref{eq:eqx}. Derivando-a em ordem ao tempo, obtém-se \begin{equation} m\frac{\gamma^3}{c^2}(v_x\dot v_x+v_y\dot v_y)v_x+m\gamma\dot v_x=0, \end{equation} ou seja, \begin{equation}\label{eq:dvx} \dot v_x=-\frac{\displaystyle\quad \frac{\gamma^2}{c^2}v_xv_y\dot v_y\quad}{\displaystyle \frac{\gamma^2}{c^2}v_x^2+1}. \end{equation} Substituindo na eq. \eqref{eq:eqyi} resulta \begin{equation}\label{eq:dvy} \dot v_y=-\frac{\displaystyle\frac{\gamma^2}{c^2}v_x^2+1}{\displaystyle \gamma\left[ \left(\frac{\gamma^2}{c^2}v_x^2+1\right) \left(\frac{\gamma^2}{c^2}v_y^2+1\right)- \left(\frac{\gamma^2}{c^2}v_xv_y\right)^2 \right]}\;\frac{F}{m} \end{equation} Estas duas últimas equações (juntamente com as definições $\dot x=v_x$, $\dot y=v_y$) prestam-se a uma abordagem numérica do problema usando rotinas computacionais padrão. Procede-se em seguida a essa resolução.

Resolução numérica das equações do movimento

Foram programadas as eqs. \eqref{eq:gamma}, \eqref{eq:dvy} e \eqref{eq:dvx} que permitem o cálculo das derivadas das componentes da velocidade, $\dot v_x$ e $\dot v_y$, e usou-se a rotina de biblioteca python \texttt{scipy.integrate.odeint} para integrar as equações do movimento.

Figura 1: Trajetória de uma partícula relativística (linha contínua) e não relativística (tracejado), sujeitas a uma mesma força (unitária, dirigida verticalmente para baixo), lançadas com a mesma velocidade inicial $\vec v_0=(0,3; 0,8)$.
A Figura 1 ilusta a trajetória seguida por uma partícula com massa unitária, sujeita a uma força unitária que é lançada da origem com velocidade inicial $\vec v_0=(0,3; 0,8)$, em unidades em que $c=1$. É ilustrada a solução relativística (a cheio) e não relativística (a tracejado). O aspeto mais notório desta figura é o facto de o alcance do projétil relativístico ser muito maior do que o do não relativístico. Este facto salta à vista mas não é motivo de espanto. A inércia de um objeto relativístico é sempre do que a de um objeto newtoniano com a mesma massa, uma vez que $\gamma\geq1$. A inércia deste objeto relativístico é maior do que a seu par newtoniano, mas as forças que os aceleram são iguais; a aceleração do segundo será pois maior do que a do primeiro, o que se traduz numa curva mais aberta, ou seja, num maior alcance.
Mas há ainda outro contributo para o maior alcance do projétil relativístico. Uma vez que a força é vertical, a componente horizontal do momento linear $p_x=m\gamma v_x$ é uma constande do movimento. Mas, como o fator $\gamma$ não é constante, a componente $x$ da velocidade também não é. Neste aspeto, o movimento relativístico apresenta uma diferença importante e de certa forma inesperada relativamente ao movimento de um projétil newtoniano. No popnto culkminante da trajetória, em que a componente $y$ da velocidade se anula, o módulo da velocidade atinge um mínimo, e o mesmo acontece com o fator $\gamma$; logo a componente $x$ da velocidade deve atingir um máximo. Com efeito, isso mesmo é claramente demonstrado na Figura 2.

Figura 2: Componentes da velocidade do movimento de uma partícula relativística nas condições da Figura 1 como funções do tempo.
Também na Figura 2, nota-se claramente que o movimento na direção vertical não é uniformemente variado. Isto deve-se também à presença do fator $\gamma$ na expressão do momento linear, e ao associado efeito sobre o valor da inércia: quanto mais rápido for o movimento do corpo num dado instante, menor deve ser a sua aceleração sob a força dada nesse instante, porque maior é a sua é a sua inércia.

Conclusões

Para dados ângulo e velocidade iniciais, o ``projétil'' relativístico tem alcance e altura culminante muito superiores aos de um projétil newtoniano.

O movimento de um corpo relativístico sujeito a uma força constante não é separável nas duas direções ortogonais. O movimento na direção da força não é uniformemente acelerado, e na direção perpendicular não é uniforme.

O fator $\gamma$ torna a descrição relativística dos movimentos dos corpos muito mais complicada do que a newtoniana. Problemas triviais numa análise não relativística só podem ser resolvidos numericamente no quadro da relatividade. O fator $\gamma$ torna impossível separar as diferentes componentes do movimento, mesmo em problemas tão simples como o aqui considerado.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Transformada de Fourier discreta

Três Simples Somas

Nota de calendário