Teoremas sobre médias do campo elétrico em eletrostática

Apercebi-me há dias de dois teoremas da eletrostática sobre as médias do campo elétrico em regiões esféricas que me pareceram muito úteis e interessantes. Porque estes teoremas nem sempre são referidos em cursos introdutórios, vou agora enunciá-los e demonstrá-los. No essencial, estas demonstrações são as feitas no Griffiths [1] e/ou no Purcell [2].

Campo médio numa esfera devido a cargas exteriores

Teorema 1
O campo elétrico médio no volume de uma esfera gerado por cargas exteriores a essa esfera, é igual ao que elas geram no seu centro.
Demonstração
Consideremos uma esfera uniformemente carregada com densidade de carga $\rho$ e uma carga pontual $q$ situada no seu exterior. A força resultante exercida pela carga pontual na esfera é dada por $$ \vec F_{\text{qe}}=\int_V d^3\vec r\,\vec E(\vec r)\rho(\vec r)=\rho\int_V d^3\vec r\,\vec E(\vec r)=\rho V \langle \vec E\rangle_V, $$ onde o integral é estendido ao volume da esfera $V$, $d^3\vec r$ representa o elemento de volume infinitesimal com vetor posição $\vec r$ (no interior de $V$), $\vec E(\vec r)$ o campo elétrico gerado pela carga pontual nesse mesmo ponto, e a notação $\langle X\rangle_V$ representa a média de $X$ no volume $V$. Por outro lado, a força que a esfera exerce sobre a carga $q$ é facilmente calculável notando que o campo que a esfera carregada gera nos pontos exteriores é igual ao que se obtem concentrando no centro a carga total da esfera. Assim sendo, temos $$ \vec F_{\text{eq}}=\frac{1}{4\pi\varepsilon_0}\frac{\rho V q}{r^2}\hat u_\text{eq}=-\frac{1}{4\pi\varepsilon_0}\frac{\rho V q}{r^2}\hat u_\text{qe}, $$ onde $r$ representa a distância entre a carga e o centro da esfera, $\hat u_\text{eq}$ o vetor unitário dirigido do centro da esfera para a carga $q$ (e $\hat u_\text{qe}$ o seu simétrico). De acordo com a Segunda Lei de Newton, estas duas forças são iguais em módulo e opostas em orientação, e resulta portanto $$ \langle\vec E\rangle_V=\frac{1}{4\pi\varepsilon_0}\frac{q}{r^2}\hat u_\text{qe}. $$ Mas a expressão no segundo membro é justamente a do campo gerado pela carga $q$ no centro da esfera, o que prova o teorema para o caso do campo gerado por apenas uma carga pontual. O princípio da sobreposição generaliza a validade da demonstração para distribuições arbitrárias de carga.

Corolário
O campo elétrico médio na superfície de uma esfera gerado por cargas exteriores a essa esfera, é igual ao que elas geram no seu centro.
Demonstração
Pode ser repetida a demonstração anterior considerando agora uma esfera com carga distribuída uniformemente sobre a sua superfície. Mas é mais interessante uma abordagem diferente. Consideremos uma região esférica do espaço com raio $R$, que não contenha cargas no seu interior (o corolário aplica-se apenas ao campo gerado por cargas exteriores por isso não há aqui perda de generalidade). Escolhemos um sistema de coordenadas com origem no centro da esfera. Como não há carga no interior da esfera, verifica-se aí a equação de Laplace verifica-se. Integrando-a nessa região, temos $$ 0=\int_V d^3\vec r\, \text{lap}\,V(\vec r)=\int_V d^3\vec r\,\text{div}\,\text{grad}\,V= \int_S d^2\vec r\,\text{grad}\,V\cdot\hat r, $$ onde se aplicou o teorema de Gauss-Ostogradsky e se representa por $d^2\vec r$ um elemento de área infinitesimal da superfície da esfera com vetor posição $\vec r$ e por $\hat r$ o versor normal à superfície (que é o versor radial porque escolhemos a origem do sistema de coordenadas no centro da esfera). Mas $\text{grad}\,V\cdot\hat r=\partial V/\partial r$ e $d^2\vec r=R^2d\Omega$, onde $d\Omega$ representa o elemento infinitesimal de ângulo sólido. Então $$ R^2\int_Sd\Omega\,\frac{\partial V}{\partial r}=0 \implies\int_Sd\Omega\,\frac{\partial V}{\partial r}=0. $$ Mas os limites de integração são meramente angulares, não dependem da coordenada radial, e portanto podemos comutar a ordem das operações de integração e derivação. Resulta então $$ \frac{d}{dr}\int_S d\Omega V=0, $$ ou seja, o valor do integral não depende da coordenada radial, isto é, do raio da esfera. Multiplicando e dividindo por $R^2$ e dividindo ainda por $4\pi$ obtemos também uma constante independente de $R$: $$ \frac{1}{4\pi R^2}\int_S Vd^2\vec r=\text{Const}. $$ Mas no lado direito aparece o valor médio do potencial eletrostático na superfície da esfera. Concluímos que este valor médio não depende do raio da esfera. Por fim, tomando o limite em que o raio da esfera tende para zero, obtemos como resultado o potencial no centro.
Provámos assim que o potencial eletrostático no centro de uma esfera, devido às cargas exteriores a essa esfera é igual ao valor médio do potencial que essas cargas criam na superficie da mesma esfera. Recuperamos o resultado relativo ao campo elétrico calculando o gradiente desta igualdade relativamente às coordenadas do centro da esfera.
Note-se que poderíamos ter começado com este corolário e demonstrado o Teorema 1 por integração radial.

Campo médio numa esfera devido a cargas interiores

Teorema 2
O campo elétrico médio no volume de uma esfera gerado por cargas interiores a essa esfera, é igual ao que uma esfera uniformemente polarizada com igual momento dipolar gera no seu centro.
Demonstração
Seja $\rho(\vec r)$ a densidade de carga no interior de uma esfera. A média tomada no volume da esfera do campo elétrico gerado por esta distribuição é \begin{align*} \langle\vec E\rangle&=\frac{1}{V}\int_V d^3\vec r'\,\frac{1}{4\pi\varepsilon_0}\int_V d^3\vec r\,\rho(\vec r) \frac{\vec r'-\vec r}{\|\vec r'-\vec r\|^3}\\ &=\frac{1}{V}\int_Vd^3\vec r\,\rho(\vec r)\left(\frac{1}{4\pi\varepsilon_0} \int_Vd^3\vec r'\,\frac{\vec r'-\vec r}{\|\vec r'-\vec r\|^3}\right). \end{align*} Mas note-se que a expressão entre parêntesis é a do simétrico do campo elétrico gerado por uma distribuição uniforme de carga $\rho^*$ com densidade unitária no ponto com vetor posição $\vec r$ (ou, se se preferir, é o campo por unidade de densidade de carga uniforme). Ora, uma aplicação elementar da Lei de Gauss mostra que esse campo é dado por $\vec E^*(\vec r)=\vec E(\vec r)/\rho^*=\vec r/(3\varepsilon_0)$. Substituindo este resultado em cima, obtemos $$ \langle\vec E\rangle=-\frac{1}{3\varepsilon_0V}\int_Vd^3\vec r\rho(\vec r)\vec r=-\frac{1}{4\pi\varepsilon_0 R^3}\int_Vd^3\vec r\rho(\vec r)\vec r, $$ onde $R$ representa o raio da esfera considerada. Mas o integral no lado direito é o momento dipolar total $\vec p$ da distribuição de carga no interior da esfera, de forma que se obtem, por fim, $$ \langle\vec E\rangle=-\frac{\vec p}{4\pi\varepsilon_0 R^3}, $$ que é o campo elétrico no centro de uma esfera uniformemente polarizada com momento dipolar total $\vec p$.

Referências

[1] DJ Griffiths, Introduction to Electrodynamics, 4ª ed., problema 3.47. Pearson 2014
[2] EM Purcell e DJ Morin, Electricity and Magnetism, 3ª ed., Teorema 2.1 e Secção F.5. Cambridge University Press 2013

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